domingo, 27 de julho de 2008

A hora da verdade - Materia da Revista Exame

Prezados,

A mais recente edição da EXAME está nas Bancas, e refere-se à BOLSA.

Abaixo a matéria principal transcrita....

A hora da verdade para a Bolsa....
Mais de 12 trilhões de dólares evaporaram dos mercados de capitais em todo o mundo nos últimos 12 meses. Na Bovespa, a tensão não pára de subir. A bolsa virou mico? Não. Mas parece ser o fim da exuberância irracional — e isso é bom

Grandes ganhos e enormes perdas fazem parte da natureza do mercado financeiro e — mais especificamente — das bolsas de valores. Sempre foi assim. E provavelmente sempre será, ainda que a maioria dos mortais não possa prevê-los com precisão. No início do século 18, o físico Isaac Newton, um dos maiores gênios matemáticos que a humanidade já produziu, foi uma das vítimas da quebra de expectativas que o mercado, ciclo após ciclo, gera. Newton foi um dos investidores da South Sea Company, empresa britânica que prometia grandes lucros com a exploração comercial dos mares do Atlântico Sul. Parecia perfeito, num momento em que o comércio internacional ganhava força. Mas os planos não se concretizaram, o negócio tornou-se inviável, os investidores correram para vender suas participações e a South Sea quebrou. O acontecimento é descrito hoje como uma das primeiras bolhas financeiras da história. Newton foi engolido por ela e definiu sua frustração com a imprevisibilidade do mercado da seguinte forma: “Posso calcular o movimento das estrelas, mas não a loucura dos homens”.

Desde então, o capitalismo produziu, em intervalos irregulares, uma série de bolhas: o crash de 1929, a crise imobiliária japonesa nos anos 80, a exuberância irracional da internet na década de 90 e — a última delas — o chamado subprime americano, uma seqüência de perdas que começou com empréstimos imobiliários sem garantias e se espalhou por todo o sistema financeiro dos Estados Unidos. A crise do subprime completa agora um ano sem que se possa prever até quando “a loucura dos homens” vai gerar estragos e qual a dimensão exata deles. Estamos atravessando um período de expiação, e é nas bolsas de todo o mundo que suas conseqüências se manifestam mais rapidamente. Nos últimos 12 meses, 12 trilhões de dólares evaporaram dos mercados de capitais ao redor do mundo. Assustados e ansiosos para cobrir prejuízos em outros negócios, grandes investidores deixam os pregões, vendendo suas ações e derrubando as cotações. Isso inclui a Bovespa, a incensada bolsa brasileira. Durante todo este ano de turbulência internacional, a Bovespa comportou-se exemplarmente. Foi um dos poucos pregões do mundo a acumular uma alta — 10% em 12 meses. Mas seria ingenuidade achar que os investidores brasileiros — abençoados por um período de expansão na economia interna e com a valorização do preço das commodities agrícolas e minerais — passariam incólumes aos sucessivos maus resultados das instituições financeiras americanas, à ameaça de aumento da inflação e à desaceleração do crescimento mundial. Desde o início do mês de junho, o Índice Bovespa, que mede o desempenho das ações mais negociadas, caiu 18% — foi o período mais longo de quedas desde 2002. No acumulado de 2008, até o fechamento desta edição, as perdas eram de 6,6%. Novas ofertas de ações tornaram-se raras — foram três desde o começo deste ano. E cerca de 70% das empresas que abriram o capital nos últimos quatro anos valem hoje menos do que valiam na época de seus IPOs (veja reportagem na pág. 24). Bem-vindo à vida como ela realmente é. A exuberância demonstrada pela bolsa brasileira nos últimos anos pode ter feito crer aos 2,5 milhões de investidores do país — entre aqueles que investem diretamente e os que aplicam por meio de fundos — que a trajetória do mercado aponta sempre para cima. Mas essa não é a ordem natural das coisas. “Os altos e baixos do mercado são comuns, mas muitos investidores pareciam ter se esquecido desse detalhe”, diz o americano Jim Rogers, ex-sócio do investidor húngaro George Soros e dono da empresa de investimentos Rogers Holdings. “Agora estamos em pleno momento de depuração.” E isso não é necessariamente ruim.

O principal alimento da turbulência recente na bolsa brasileira é o histórico de más notícias vindas dos Estados Unidos. “Cresce a percepção de que não haverá uma solução rápida e fácil para essa situação”, diz o americano Robert “Bear” Arnott, sócio da consultoria financeira Research Affiliates. Dias atrás, o IndyMac, banco com nome de lanchonete e uma carteira carregada de hipotecas podres, quebrou na Califórnia. As próximas semanas e meses prometem surtos de grandes emoções. O governo americano quer colocar em prática o plano de salvamento das companhias Fannie Mae e Freddie Mac, que correm o risco de quebrar. Juntas, elas respondem por quase metade dos 12 trilhões de dólares de hipotecas nos Estados Unidos. É improvável que a falência se concretize, mas a má situação dessas companhias é mais uma demonstração de fragilidade na maior economia do mundo, responsável por cerca de 30% do consumo do planeta. E isso já é suficiente para despertar — como diria Newton — o medo e a loucura dos homens. “Fannie e Freddie são parte do problema, mas, mesmo depois que se encontre uma solução para essas empresas, muito mais sangue será derramado”, diz Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard e ex-economista-chefe do FMI. Em setembro, três grandes bancos de investimento publicarão seus resultados trimestrais — entre eles o Lehman Brothers, um dos que estão em situação mais vulnerável. Ao longo desse caminho, as bolsas devem continuar reagindo aos anúncios do desempenho da economia americana e às oscilações na cotação do petróleo.

É nesses momentos que o investidor se torna mais seletivo, premia as ações de empresas consideradas sólidas e foge do risco. Muito da performance razoável da Bovespa ante outros pregões do mundo aconteceu por causa da atração que papéis de empresas como Vale e Petrobras exercem. Juntas, as ações das duas companhias representam 30% de todo o volume transacionado na Bovespa. Quando os preços dessas ações sobem puxados pelo boom das commodities — como tem sido o caso nos últimos tempos devido à crescente demanda de China e Índia —, o Índice Bovespa acompanha o movimento. A cada anúncio de descoberta de petróleo da Petrobras, aumenta o apetite dos investidores pelos papéis da estatal. Além disso, a pulverização no número de investidores ajudou. Hoje, cerca de 500 000 brasileiros aplicam diretamente na bolsa. “Existe uma forte correlação entre o aumento da riqueza de um país e a entrada de investidores locais na bolsa de valores”, diz Jim O’Neill, chefe do departamento de pesquisas econômicas do banco Goldman Sachs e autor do termo Bric, que designa o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China. E, mais do que uma mudança quantitativa, houve um avanço em termos de qualidade. Uma parcela considerável desses investidores tem seguido o célebre conselho de John Templeton, um dos maiores financistas americanos: o melhor momento para investir em ações é quando “o pessimismo está no auge”. Nos últimos seis meses, investidores estrangeiros em fuga tiraram 6,7 bilhões de reais em ações da Bovespa, enquanto aplicadores brasileiros colocaram os mesmos 6,7 bilhões na bolsa, ajudando, assim, a diminuir o impacto da queda. Essa tendência se manterá? É difícil dizer.

Mercados de ações funcionam, basicamente, movidos por expectativas e, nesse ponto, mesmo com a desaceleração da economia americana e global, as projeções para o Brasil são positivas. Economistas do FMI que acabaram de atualizar suas previsões estimam que o Brasil crescerá 4,9% neste ano e 4% no ano que vem. Apesar da perspectiva de queda no ritmo da expansão, a economia brasileira, segundo o FMI, deve ficar acima da média mundial. Se essas previsões se materializarem, o país completará seis anos de crescimento superior a 3%. “Mesmo com o aumento da inflação e dos juros, a economia brasileira segue robusta”, diz Zeina Latif, economista-chefe do banco Real. Caso se confirme esse ambiente de crescimento econômico puxado por um mercado interno aquecido e pela produção de commodities, aumenta a chance das companhias de entregar os resultados prometidos aos investidores. É graças a essa expectativa que a maioria dos analistas ainda acredita que a bolsa brasileira sairá dos atuais 60 000 pontos para fechar o ano com 80 000.

Mesmo em meio à crise — e com o segmento de IPOs e ofertas de ações praticamente parado —, as empresas brasileiras vêm conseguindo se financiar lançando mão de outros mecanismos do mercado de capitais. As emissões de títulos de dívida somaram 17 bilhões de reais no primeiro semestre deste ano, quase 30% mais que no mesmo período de 2007, por exemplo. “Isso não ocorria no passado, quando os mercados costumavam ficar fechados para companhias sediadas no Brasil”, diz o advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio responsável por mercado de capitais do escritório Mattos Filho, de São Paulo. Há quem aposte que, além de sustentar a expansão das empresas para fazer frente à demanda crescente do mercado interno, esses recursos poderão ser utilizados para promover uma nova onda de internacionalização — dessa vez, tendo os Estados Unidos como alvo preferencial. “É um momento único: as empresas americanas estão baratas em razão da crise e da desvalorização do dólar, e as companhias brasileiras estão sólidas”, diz Charlie Welsh, fundador da Mergermarket, empresa inglesa especializada em estudos sobre fusões e aquisições. Para ele, um exemplo desse movimento foi a compra da cervejaria Anheuser-Busch pela belgo-brasileira InBev.

Apesar do otimismo, é possível que esse prognóstico positivo sobre o futuro da economia e da bolsa brasileira sofra alterações. Quedas bruscas no preço das commodities e uma drástica piora do quadro econômico nos Estados Unidos são os principais temores. Nos próximos meses, a economia americana viverá em meio a duas pressões conflitantes. “Por um lado, é preciso conter o crescimento para controlar a alta dos preços, mas o desaquecimento não pode ser forte demais ou haverá recessão mais adiante”, diz Vincent Reinhart, ex-diretor do Federal Reserve e atual membro do American Enterprise Institute, de Washington. Logo nos primeiros meses da crise, uma facção dos economistas achava que a melhor imagem para descrever o futuro da economia americana seria uma linha em V (ou seja, a atividade cairia rapidamente e teria uma recuperação igualmente veloz). Hoje, com o aperto do crédito, os especialistas se dividem entre os que acham que a atividade fará um traçado em U (queda, estabilidade em patamares baixos e aumento firme da atividade) e os que apostam num W (períodos de oscilações bruscas e radicais). Ninguém consegue dizer com segurança se já se chegou ao fundo do poço, e não está descartado o cenário de estagflação, a conjunção perversa de estagnação econômica com inflação, cenário que se concretizou pela última vez na década de 70. “A história é pontuada por momentos de expansão interrompidos por períodos de rupturas”, diz Nouriel Roubini, professor de economia da Universidade de Nova York que foi assessor da Presidência durante o governo de Bill Clinton. Quando cada um deles vai começar e terminar é algo que nem mesmo os grandes gênios foram capazes, até agora, de prever.


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